Créditos: flickr Ivan Moraes
A luta feminista é todo dia, por direitos e por democracia, como bem afirma o Fórum de Mulheres de Pernambuco. Porque não há democracia sem o corpo livre das mulheres. Sem autonomia, não há liberdade. Sem justiça, não há paz.
Por Carol Vergolino
Jornalista, documentarista e produtora audiovisual. Feminista antirracista e codeputada estadual das Juntas (2019 a 2022).
É sobre o corpo das mulheres que o sistema patriarcal, racista e capitalista constrói suas opressões.
É nesse corpo que recai o peso da maternidade compulsória, do trabalho doméstico não remunerado, da dor silenciada e da responsabilização desigual por filhos, casa e cuidado. É no corpo da mulher que se encarna o controle social e político sobre a reprodução da vida — um controle marcado pela desigualdade de classe, raça e território.
No Brasil, essa violência tem cor. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 67% dos lares em situação de insegurança alimentar grave são chefiados por mulheres negras. Isso significa que, em um país onde a fome voltou a ser parte do cotidiano, são essas mulheres — negras, periféricas e solitárias — que enfrentam diariamente a angústia de não conseguir colocar comida na mesa. A realidade da fome é, portanto, também uma realidade de gênero e de raça.
Enquanto isso, seguimos testemunhando os impactos desiguais da crise climática. Nos tempos de emergência ambiental — com secas prolongadas, enchentes violentas e deslizamentos — é o corpo da mulher negra da periferia que mais sofre. Ela está nos territórios de maior vulnerabilidade, nos bairros onde o Estado não chega com saneamento, saúde ou infraestrutura básica. Segundo o relatório Clima, Gênero e Raça nas Eleições Municipais (Instituto Alziras, 2021), as mulheres negras são as que mais sofrem com os impactos das mudanças climáticas, apesar de contribuírem muito pouco para a emissão de gases de efeito estufa. Isso tem nome: racismo ambiental.
É também sobre o corpo das mulheres e, de forma ainda mais cruel, sobre o corpo das meninas violentadas todos os dias, que recaem os ataques da extrema direita fundamentalista no Congresso. Um exemplo emblemático dessa violência institucional é a PEC 1904, conhecida como a PEC do Estuprador. Ela propõe a criminalização do aborto legal realizado após 22 semanas de gestação, inclusive nos casos já protegidos por lei, como os resultantes de estupro. A proposta ignora a realidade de que 76% das vítimas de estupro com gravidez são crianças de até 13 anos (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022). Em 2022, mais de 74 mil casos de estupro foram registrados no Brasil, sendo que 61% das vítimas eram menores de idade. Essa PEC, portanto, não protege a vida — ela institucionaliza a tortura de meninas e mulheres vítimas de violência sexual.
O Brasil também vive uma grave crise de injustiça reprodutiva, com índices alarmantes de mortalidade materna, especialmente entre mulheres negras. De acordo com a publicação Gestar, Parir, Morrer (Talita Rodrigues, 2023), 72% das mortes maternas em Pernambuco entre 2016 e 2021 foram de mulheres negras (pardas e pretas). São mortes evitáveis, resultado de um sistema de saúde estruturado na exclusão, no racismo e na negligência. A morte materna é mais uma expressão do projeto político de controle dos corpos das mulheres — um projeto que silencia, adoece e mata.
Essa é a face brutal da extrema direita: negacionista, fascista e reacionária. É contra ela que devemos organizar a nossa luta. Não basta resistir — é preciso confrontar, expor, derrotar.
Precisamos enfrentá-la nas ruas, nas escolas, nas instituições, nas periferias e nas urnas.
Precisamos gritar que a vida das mulheres importa, que as meninas não são mães, que a maternidade não pode ser sentença de morte, e que nenhum projeto de país será justo enquanto nossos corpos forem territórios de guerra moral.
O feminismo que nos move é radical, interseccional, antirracista e anticapitalista.
Ele não aceita a seletividade da dor. Ele luta pela vida plena de todas as mulheres — negras, brancas, indígenas, quilombolas, trans, travestis, com deficiência, mães e não mães.
Nosso feminismo exige justiça reprodutiva, justiça ambiental e justiça social. Queremos acesso ao aborto legal e seguro, ao pré-natal de qualidade, ao parto humanizado, à educação sexual, à renda básica e à moradia digna.
A luta feminista é todo dia, por direitos e por democracia, como bem afirma o Fórum de Mulheres de Pernambuco. Porque não há democracia sem o corpo livre das mulheres. Sem autonomia, não há liberdade. Sem justiça, não há paz.
Um outro mundo é possível. E nós o construiremos com coragem, com afeto, com organização e com rebeldia.
Porque nossas vozes não serão caladas, nossos corpos não serão domados. Fascistas não passarão. A vida das mulheres é inegociável.
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