Créditos: Fundarpe
Há casos em que afoxés recebem valores insuficientes para custear até a própria apresentação
Por Yasmim Alves
Yasmim Alves toca no carnaval desde 2014 e integra o Afoxé Alafin Oyó. É cientista social, professora de sociologia e mestranda em ciências sociais
De acordo com o Secretário de Turismo e Lazer do Recife, Thiago Angelus, o Carnaval do Recife deve gerar uma movimentação de mais de 2,7 bilhões na cidade. Para a Arena Brasil, empresa responsável pela gestão do aeroporto no Recife, a expectativa é um acréscimo de 10% de passageiros(as) em Pernambuco em relação ao ano passado, quando só a receita turística bruta foi de mais de 3 bilhões (R$ 3.050.903.932,97). Apesar dos números astronômicos, ainda existem afoxés que recebem apenas 4 ou 7 mil reais de cachê, e artistas seguem se pronunciando em suas redes sociais, demonstrando insatisfação com a programação da Prefeitura do Recife e do Governo do Estado.
A Associação de Dança Popular de Pernambuco - ADPPE se pronunciou em suas redes sociais questionando a Prefeitura do Recife sobre a redução da presença de passistas de frevo durante o carnaval 2025. “Nos últimos três anos, os grupos de passistas de frevo - responsáveis por manter viva a tradição com a sua dança vibrante e sua história centenária - têm sido drasticamente reduzidos da programação oficial.” Em 2023, a associação também apresentou um manifesto denunciando a ausência de políticas públicas de cultura para o segmento e a desvalorização da dança popular: “Não é incomum ouvirmos coisas do tipo: ´O camarim é para os artistas`, como se artistas não fossemos”, diz trecho do manifesto.
Importante artista do Movimento Manguebeat, Gilmar Bolla 8 também é categórico ao afirmar em suas redes que: “Os cachês mais altos são pagos para grandes artistas que vêm, fazem seus shows e voltam para gastar e pagar impostos em outros estados.” Ele completa: “Os gestores públicos, que recebem todo mês seus salários para organizar, pensar, planejar os ciclos culturais - Carnaval, São João, Natal e tantas outras festividades - deveriam garantir oportunidades justas para quem faz cultura nas periferias, nas quebradas, nas comunidades, do litoral ao sertão.”
Segundo Fabiano Santos, Presidente da União dos Afoxés de Pernambuco - UAPE e do Afoxé Alafin Oyó, o carnaval do Recife iniciou sem a participação dos afoxés estar completamente fechada. Para eventos já realizados como o Encontro de Afoxés e o Ubuntu, os cachês não sofreram alterações. Existem afoxés que recebem apenas 4 ou 7 mil reais de cachê, valor insuficiente para custear figurino, adereços, transporte, alimentação, manutenção de instrumentos e a apresentação cultural em si que geralmente conta com mais de 20 ou 40 integrantes.
Isso acontece ao passo que bandas como Jota Quest e Paralamas do Sucesso se repetem nas programações de vários anos, além de outros(as) artistas com cachês que passam a casa dos cem mil. Mas além dos cachês existem outras exigências. No dia 17 de dezembro, às vésperas do carnaval, houve uma reunião entre afoxés e prefeitura do Recife, onde foi solicitada uma maior divulgação da programação com as apresentações dos afoxés nas páginas oficiais da prefeitura, algo que está sendo concretizado neste ano devido à cobrança coletiva.
Nesta reunião, também foi cobrado que as apresentações acontecessem em horários em que haja público já que há experiências anteriores que tiveram baixo público devido ao horário. Foram levantados pontos para se repensar a política pública de cultura para além dos ciclos festivos: Planejamento conjunto entre prefeitura e manifestações culturais quanto à programação cultural anual e cotidiana, ou seja, participação popular real; Transparência em relação à distribuição dos recursos públicos; Ocupação de imóveis ociosos para que cumpram sua função social a partir da concessão destes espaços para afoxés e outras manifestações culturais, gerando emprego e renda, formação, incentivo às produções culturais dos e nos territórios.
Foto: PH Reinaux/ Secult PE- Fundarpe
Do outro lado dessa história, a disputa entre as oligarquias pernambucanas ganha palco na mídia e em nossas vidas. Sinal de uma eleição que já se avizinha
O palco do Marco Zero, organizado pela Prefeitura do Recife, permanece lá. A novidade é que o governo do estado de Pernambuco colocou um novo palco a poucos metros deste e o intitulou “Pernambuco Meu País”, palco que também estará na cidade de Olinda, onde a prefeita eleita no ano passado - Mirella Almeida (PSD) - é aliada da governadora Raquel Lyra (PSDB).
Sabemos que tanto a governadora Raquel Lyra (PSDB) quanto o prefeito João Campos (PSB) devem fazer essas movimentações com as demais cidades, cada qual formando seu bloco para a eleição de 2026. Diferente da Prefeitura do Recife, as atrações do palco do governo são compostas apenas por artistas e manifestações locais, priorizando as culturas populares e se diferenciando do histórico de atrações dos palcos das prefeituras do PSB, partido que está há mais de 12 anos na gestão do Recife. Segundo a Secretaria de Defesa Social do Estado,
Será então que, dessa forma, o governo sana as problemáticas levantadas anualmente por nós que fazemos as culturas populares?
Ao que parece, passado o carnaval, seguiremos com uma política pública de cultura, no estado e no município do Recife, pautada por ciclos festivos, cachês, premiações, em pouco diálogo e transparência quanto ao uso dos recursos públicos e ao planejamento. Os teatros e os cinemas continuarão abandonados, os parques em processo de privatização, diversos imóveis da prefeitura e do governo do estado ociosos.
Na condição de sujeitos(as), cabe a nós, culturas populares e artistas em geral, nos inserirmos nesta disputa, elevando-a a um patamar digno do nosso trabalho. Para isso, não devemos escolher entre Raquel e João, precisamos refletir sobre qual a diferença entre a política pública de cultura implementada por cada governo, problematizando ainda as alianças e ou acenos feitos por setores da esquerda a estes governantes e construindo um projeto alternativo e verdadeiramente comprometido com a memória, a valorização e o crescimento de quem realmente toca o carnaval e a cultura no Recife e no estado.
Comerciantes, catadoras(es) de latinhas, passistas, percussionistas, orquestras, produtoras(es) com raça/cor, classe e território. Troças, blocos, clubes, associações, maracatus, afoxés, sambas, cocos, caboclinhos, papangus, devemos imaginar mundos possíveis onde sejamos nós que planejamos e executamos não só o carnaval, mas a política pública de cultura durante todo o ano. Que os pontos trazidos neste texto, nos aqueçam para as batalhas dos próximos ciclos.
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