Créditos: recorte do livro Comunicações em tempos de crise, de Helena Martins

É preciso que os governos compreendam a comunicação enquanto direito humano e se dediquem a construir políticas neste sentido

30 April 2025

Bora falar de comunicação?

Por Ivan Moraes

Escritor, comunicador, defensor de direitos humanos, ex-vereador do Recife pelo PSOL.

A gente aprende pequeno. Comunicação é o processo pelo qual as pessoas compartilham informações, ideias e etcétera. Na comunicação, uma mensagem utiliza um código e trafega em um canal, indo do emissor ao receptor e tal. Parecia simples e a gente parecia saber direitinho como funcionava. A gente ouvia que não podia ter ruído e que cabia a quem origina a informação fazer com que ela chegue direitinha ao seu público. Quem dera fosse tão simples.

 

Durante a maior parte dos últimos 100 anos, quando uma pessoa (ou grupo) tinha a necessidade de falar com um número grande de pessoas, precisava recorrer ao que chamamos (chamávamos?) de meios de comunicação de massa. Primeiro os impressos, depois os veículos que utilizavam o espectro eletromagnético (rádio e televisão) eram para onde se corria – cada um com suas devidas questões, especialmente quando se fala no Brasil.

 

Se lá atrás Assis Chateaubriand dizia que “quem quisesse ter opinião, comprasse seu próprio jornal”, o mesmo jornalista paraibano viu o rádio se popularizar no início do século passado e, ele mesmo, foi responsável pela chegada da televisão no Brasil – veículos estes que nasceram antes que pudesse haver uma regulação de como seriam usados em nosso país. 

 

Curiosamente (ou não) a regulamentação da atividade veio na década de 1960 e serviu justamente para garantir que as pessoas que já tinham dinheiro e poder (e que já ocupavam as ondas do ar) seguissem com sua hegemonia, controlando as grandes verdades e interferindo cotidianamente até em processos eleitorais. Não por acaso, inúmeros políticos com mandato ainda detêm concessões de rádio e televisão e, com elas, seguem sendo eleitos e reeleitos.

 

Mesmo com a Constituição de 1988 e os artigos que previam um novo tipo de regulação que garantisse (ao menos) o fim dos oligopólios e uma cota mínima de conteúdo produzido localmente, os donos da mídia sempre foram os mesmos homens brancos e ricos vivendo no eixo Rio-São Paulo. Ainda que tenha havido muita luta vinda da sociedade civil e protagonizada por organizações como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, nem os governos mais progressistas mostraram coragem de mexer nesse vespeiro. Pelo contrário: independente da sigla, as administrações públicas sempre foram responsáveis por repassar fortunas para os cofres das mesmas empresas que, quase sem regras, dominam a radiodifusão no Brasil até hoje. 

 

No final do século passado, a invenção da internet fez muita gente achar que a disputa estava anacrônica e que a liberdade de expressão universal finalmente iria chegar valendo. Afinal de contas, se cada pessoa pode produzir e publicar livremente, para se preocupar com o uso de um obsoleto e limitado espectro, não é? Não, não é. Como se não bastassem as barreiras mais óbvias como o preço das assinaturas, a velocidade da banda e possíveis interferências de provedores em conteúdo, com o boom das redes sociais nas últimas duas décadas, foi que a coisa degringolou de vez.

 

Sim, porque você pode realmente postar praticamente o que quiser. Pode botar foto do seu gato, fazer vídeo na balada e compartilhar autocuidado à vontade. Pode-se falar de política, futebol e religião com mais autonomia do que em muito salão de cabeleireiro. O que a gente não sabe é se a mensagem vai chegar mesmo.

 

Mal comparando, as redes sociais eletrônicas são como auditórios lotados em que todo mundo fala ao mesmo tempo. Mas apenas algumas pessoas têm microfones. E o volume desses microfones é ajustado o tempo todo, numa cabine de áudio hermeticamente fechada onde apenas os donos do equipamento têm acesso. Empresários que visam ao lucro, eles aumentam, reduzem ou mesmo vetam o áudio, atendendo aos interesses de quem estiver pagando mais. Seres humanos que são, esses empresários também têm preferências políticas, preconceitos e outras safadezas. E tudo isso influencia os tais algoritmos, operações matemáticas que constituem as “normas” quase nunca transparentes e que definem que conteúdos serão amplamente distribuídos e que mensagens serão escondidas sem que seus autores ou autoras sejam necessariamente avisados.

 

Se a gente já estava em maus lençóis quando meia dúzia de empresários brasileiros ditava as verdades em um punhado de redes nacionais de rádio e televisão, hoje o mundo inteiro está à mercê de três ou quatro bilionários gringos (homens, brancos, etc…). Pior: até onde se sabe, todos eles se alinhando com a extrema direita e pagando pau pros trumps da vida.

 

Por isso dá aquele desespero quando a gente vê o governo brasileiro aumentando sua despesa de publicidade e buscando “vencer a batalha” das redes sociais trocando político por marqueteiro na Secretaria de Comunicação. Não apenas porque não dá pra comprar inimigo com dinheiro. Mas porque é impossível vencer um jogo no estádio adversário, com juiz adversário, com a bola trazida pelo adversário e com regras todas elas desconhecidas, todas elas escritas pelo mesmo adversário e todas elas em constante atualização sem que ninguém seja informado sobre isso.

 

Mais do que nunca, é preciso que os governos compreendam a comunicação enquanto direito humano e se dediquem a construir políticas neste sentido. Investimento em mídia pública, popular e comunitária é um primeiro passo importante e urgente. É preciso que mais pessoas tenham meios de apresentar suas visões sobre o mundo e ter a oportunidade de serem ouvidas. Uma política séria de universalização da banda larga tem que vir junto com a garantia da neutralidade das redes e da liberdade de expressão, como começou a desenhar o Marco Civil da Internet, que jajá completa seus onze anos.

 

Na Europa, muitos países já começam a colocar em prática leis que regulamentam as redes sociais, responsabilizando as empresas por notícias falsas e exigindo mais transparência sobre seus processos internos: o mínimo do mínimo do mínimo. Aqui no Brasil, o Congresso tinha a oportunidade de votar legislação semelhante a um par de anos, mas nossos valentes deputados afinaram a voz depois que o Google, a Meta e o X mostraram de que lado estavam (spoiler: não era do nosso).

 

Ativistas estadunidenses dizem, há décadas: “não importa qual é a sua luta prioritária, a sua segunda pauta tem que ser a comunicação”. É entender isso de uma vez por todas ou comprar pipoca para observar o fim do mundo de camarote.

 

 

 

Texto originalmente publicado em subverta.org

 

 

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